sábado, 7 de fevereiro de 2009

Violência simbólica


O Capital Cultural para Bourdieu e Passeron é adquirido predominantemente na socialização familiar primária e ali ele é herdado em grande parte. A outra fonte são as instituições transmissoras de cultura como escolas e universidades. Via de regra, no entanto, a trajetória do indivíduo pelos campos e as relações estabelecidas pelo mesmo com tais campos é que determina o volume e o tipo de aquisição deste capital cultural.
Uma das pretensões de Bourdieu e Passeron é justamente demonstrar a não existência de uma cultura única, mais que, na realidade, devido ao fato de que elas correspondem a interesses materiais e simbólicos de grupos ou classes diferentemente situadas nas relações de força, esses agentes pedagógicos tendem sempre a reproduzir a estrutura de distribuição do capital cultural entre esses grupos ou classes, contribuído do mesmo modo para a reprodução da estrutura social: com efeito, as leis do mercado em que se forma o valor econômico ou simbólico, isto é, o “valor enquanto capital cultural.
O sistema escolar reproduz, assim, a nível social, o capital cultural da classe social dominante que é a cultura que tem prestígio e valor social com seus (valores, gostos, costumes e hábitos) e, por fim, a própria classe social. Os valores e hábitos das classes menos privilegiadas são tratados como qualquer coisa menos como cultura. E é assim que o domínio simbólico atua através de um “astucioso mecanismo”, pois, adquire força ao definir a cultura da classe social dominante como única cultura, a cultura erudita.
Bourdieu e Passeron argumentam que os conteúdos escolares são organizados no currículo de modo a serem identificados com o capital cultural comum às classes dominantes (culturalmente falando, pois com o conceito de campo entendemos que um indivíduo pode possuir posições diferentes no campo econômico e no campo cultural, e aí nem sempre quem possui mais posses é dominante culturalmente).
O sistema escolar impõe uma norma lingüística e cultural determinada mais aproximada aquela que é parte do universo simbólico das famílias burguesas, e distanciada daquela dos setores populares. O êxito ou o fracasso das crianças na escola se explica pela distância de sua cultura ou língua em relação à cultura e à língua da escola.
De acordo com Bourdieu e Passeron o currículo da escola tem base na cultura da classe social burguesa e assim se expressa na linguagem da classe social burguesa e é transmitido também através do código cultural da classe social dominante, o que é indecifrável para as crianças e jovens das classes sociais menos favorecidas as quais são dominadas. O currículo da escola reproduz o capital cultural da classe social dominante e “excluem” os indivíduos que não têm esse capital cultural.
O indivíduo que tem mais “capital cultural”, a cultura que é considerada e disseminada na escola pela classe social dominante é quem consegue ter “êxitos”, os indivíduos que não possuem o capital cultural são “excluídos” do sistema educacional “violência simbólica”. As crianças e jovens da classe social dominante conseguem ter êxitos na escola porque reconhecem seu capital cultural e vê cada vez mais seu capital cultural ser reconhecido porque a escola dissemina sua ideologia através dos conteúdos transmitidos aos alunos.
A violência simbólica é entendida por Bourdieu como “violência insensível, invisível as suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento” (pp. 7-8).
Os autores falam da violência simbólica referindo-se principalmente a mecanismos sutis de dominação e exclusão social que são utilizados por indivíduos, grupos ou instituições. Na escola o professor (a) pode excluir o aluno pelo fato do mesmo não utilizar em seu vocabulário a norma culta da língua e isso é uma violência simbólica!
Assim os alunos que vem de famílias cujos responsáveis possuem maior “capital cultural”, chegam à escola e são expostos a muitas coisas que já vivenciaram em casa como, por exemplo, o hábito da leitura levando assim uma vantagem com relação aos que não possuem este capital cultural herdado.
No que se refere ao habitus (termo utilizado por Bourdieu e Passeron para se referir as estruturas sociais e culturas que se tornam internalizadas), o aluno que possui um habitus mais ligado às atitudes consideradas mais certas em uma instituição escolar como, por exemplo, o habitus ligado à disciplina de estudos fora do horário da escola é também visto pela instituição escolar como “um bom aluno”.
Neste sentido, do ponto de vista da nota e da análise dos comportamentos a escola realizaria uma dupla seleção, a qual tenderia a reproduzir as diferenças (culturais e às vezes econômicas já existentes na sociedade).
O capital cultural existe em diversos estados e pode se manifestar em “estado objetivado”, no qual o capital cultural existe sob a forma de bens culturais, tais como esculturas, pinturas, livros, etc. Para possuir os bens culturais na sua materialidade é necessário ter simplesmente capital econômico, o que se evidencia na compra de livros, por exemplo.
Todavia, para apropriar-se simbolicamente destes bens é necessário possuir os instrumentos desta apropriação e os códigos necessários para decifrá-los, ou seja, é necessário possuir outro tipo de capital cultural o “estado incorporado”.
O capital cultural no seu “estado incorporado” constitui o componente do background familiar (conhecimento familiar), que atua de forma mais marcante na definição do futuro escolar dos descendentes, uma vez que as referências culturais, os conhecimentos considerados apropriados e legítimos e o domínio maior ou menor da língua culta trazida de casa (herança familiar) facilitam o aprendizado dos conteúdos e dos códigos escolares, funcionando como uma ponte entre o mundo da família e o da escola. No “estado institucionalizado”, o capital cultural materializa-se por meio dos diplomas escolares.
Para Bourdieu e Passeron há dois mecanismos acontecendo, chamado de dupla violência, a imposição e a ocultação. Ocultação que aparece como uma imposição que é natural.
O filósofo francês Louis Althusser discute a educação sob uma visão global do capitalismo e coloca também a questão da escola atuar através de seu “currículo”, como reprodutora dos interesses da classe social dominante desde o início da vida dos indivíduos por meios aparentemente não coercitivos. Argumenta que a permanência da sociedade capitalista depende da reprodução de seus componentes econômicos (força de trabalho, meios de produção) e da reprodução de seus componentes ideológicos. E isso pode ser obtido através da força ou do convencimento, da repressão ou da ideologia de mecanismos e instituições encarregadas de garantir esse status. A cargo dos aparelhos repressivos de estado se tem (a polícia, o poder judiciário, forças armadas) que exercem suas funções através da força.
Entre os aparelhos ideológicos de estado que atuam através da ideologia (religião, mídia a família), Althusser enfatiza a escola como um aparelho ideológico central porque atinge praticamente toda a população por um grande período de tempo e atua ideologicamente através de seu currículo utilizando as matérias escolares para a transmissão dos valores da classe social dominante.

Fonte:

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro:Graal, 1985
BOURDIEU, Pierre e Passeron ,Jean-Claude. A reprodução. Rio: Francísco Alvez, 1975.

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